5 de abril de 2012
Por José Coutinho Júnior,
Da Página do MST
Da Página do MST
Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim
Vamos embora
(Chico Buarque – Assentamento)
“Morrer
de bem com a minha terra”. Infelizmente, muitos sem-terra já morreram
sem ter uma terra que possam chamar de sua. O massacre de Eldorado dos
Carajás, ocorrido em 1996, na BR 155, sul do Pará, no qual 155 policiais
militares utilizaram armas de fogo contra 1500 Sem Terras, entre os
quais mulheres e crianças.
A ação da PM assassinou 19 camponeses e expôs para todo o país a
questão da violência no campo contra aqueles que lutam pela Reforma
Agrária. Até hoje, ninguém foi punido pelo massacre, e os sobreviventes,
mutilados tanto física quanto psicologicamente, continuam sem receber a
devida assistência médica.
Em 2002, o então presidente Fernando
Henrique Cardoso reconheceu o dia 17 de abril como o Dia Internacional
de Luta pela Terra. O MST realiza durante o mês de abril jornadas de
lutas, com ocupações, marchas e atos pelo país inteiro, para pressionar o
governo a priorizar a pauta da Reforma Agrária e honrar a memória
daqueles que perderam suas vidas na luta pela terra.
“Nosso dia
de lutas surgiu infelizmente por causa de Eldorado dos Carajás. O
latifúndio é inerentemente violento e impede as pessoas de viver e
trabalhar no Campo. O que ocorreu em Carajás nos dá força e clareza para
lutar, pois enquanto houver latifúndio, a desigualdade, violência e
falta de democracia no Campo vão continuar”, acredita Jaime Amorim,
dirigente do MST em Pernambuco.
Para Dom Tomás Balduíno, Bispo
emérito de Goiás co-fundador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), “esse
dia lembra a força da caminhada dos trabalhadores do Campo, que se
arrasta desde Zumbi dos Palmares até hoje na história do Brasil. A luta
pela Reforma Agrária não é questão de conseguir apenas um pedaço de
chão, mas de mudar nosso país. A luta é profunda, ampla e de mudanças”.
A
terra está ali, diante dos olhos e dos braços, uma imensa metade de um
país imenso, mas aquela gente (quantas pessoas ao todo? 15 milhões? mais
ainda?) não pode lá entrar para trabalhar, para viver com a dignidade
simples que só o trabalho pode conferir, porque os voracíssimos
descendentes daqueles homens que primeiro haviam dito: “Esta terra é
minha”, e encontraram semelhantes seus bastante ingênuos para acreditar
que era suficiente tê-lo dito, esses rodearam a terra de leis que os
protegem, de polícias que os guardam, de governos que os representam e
defendem, de pistoleiros pagos para matar. (José Saramago)
Dezesseis
anos depois do massacre, os conflitos no campo continuam; neste ano,
três membros do MLST foram assassinados em Minas Gerais. Já em
Pernanbuco, outros dois companheiros do MST foram tombados por balas de
pistoleiros nos últimos dias.
Jaime acredita que hoje a
violência contra os assentados está mais seletiva. “Temos dois tipos de
violência: a primeira, perpetrada por grandes grupos de fazendeiros
atacando lideranças locais, como aconteceu este ano. A segunda é a
violência do Estado, que se utiliza do aparato jurídico para impedir as
pessoas de olhar para frente e enxergar a perspectiva de uma Reforma
Agrária concreta. O fato de que temos muitos acampamentos que já duram
10, 15 anos pela desapropriação do Estado é por si só uma violência”.
Dom
Tomás afirma que esta violência ocorre porque “o poder público nega
sistematicamente a Reforma Agrária, apoiando o discurso dos grandes
fazendeiros e empresas de que ‘o agronegócio é o modelo do progresso’.
Tudo que se opõe a este suposto progresso, segundo essa lógica, são
obstáculos que devem ser removidos”.
Aliado a isso está o papel da mídia, cujas informações refletem os interesses das elites
alinhadas
com o agronegócio. “A imprensa mudou sua postura: antigamente ela
criminalizava os movimentos e desqualificava a luta e as lideranças.
Hoje, ela tenta ignorar as lutas sociais de sua agenda, e a população,
sem informação, se afasta do tema, formulando ideias de que o movimento
está desmobilizado ou que a luta pela Reforma Agrária não é mais
importante”, analisa o dirigente do MST.
E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção
Então, eu te convidaria
Pra uma fantasia
Do meu violão
(Chico Buarque – Fantasia)
Para
que a Reforma Agrária torne-se realidade e a felicidade deixe de ser
uma fantasia, é preciso lutar. Jaime afirma que “estamos animados para a
jornada de lutas deste ano, pois ela vai ser uma demarcação de força.
Estamos construindo uma unidade maior entre unidades e movimentos do
campo, pois todos nós temos sido agredidos pelo mesmo aparato. Temos que
nos unir para soltar um grande grito pela Reforma Agrária e contra o
latifúndio”.
O rio de camponeses se põe novamente em
movimento; foices, enxadas e bandeiras se erguem na avalanche incontida
das esperanças nesse reencontro com a vida - e o grito reprimido do povo
sem-terra ecoa uníssono na claridade do novo dia: "REFORMA AGRÁRIA, UMA
LUTA DE TODOS!" (Sebastião Salgado)"
Terra, 15 anos
Os trechos em negrito e a foto desta matéria foram retirados do livro
Terra, que foi lançada há 15 anos. O livro é composto por fotos do
fotógrafo Sebastião Salgado sobre a vida dos indígenas e camponeses em
um país cuja terra não lhes pertence mais. O prefácio é do escritor José
Saramago, e as músicas de Chico Buarque, cujo CD acompanha a obra. Os
três juntos constituem a Coleção Terra, criada em 1997. Para Dom Tomás, a
arte com foco político se faz fundamental, pois “o povo que luta também
celebra, canta, faz seus repentes e trovas. A caminhada do povo é
poética, inspirada na mística e profética”.
Jaime avalia que “o
MST sempre produziu muito culturalmente, e isto serve de inspiração para
quem acompanha o Movimento de fora, como artistas famosos, apoiarem o
movimento. Mas os momentos onde a arte está mais próxima da luta
política são os momentos de maior mobilização. Arte, cultura e educação
caminham lado a lado no movimento”.
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